Saúde

Ceron e Santa Casa de Pelotas seguem em impasse

Terceirizado e hospital afirmam querer romper vínculo, entretanto, de formas distintas; repasse de medicamentos aos pacientes de quimioterapia continua ameaçado

Leandro Lopes -

Fotos: Leandro Lopes

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O Centro de Radioterapia e Oncologia (Ceron) e a Santa Casa de Misericórdia de Pelotas continuam desafinados. Enquanto as duas partes não entram em acordo, a falta de medicamentos para o tratamento quimioterápico ainda assombra os pacientes de câncer. O abastecimento de remédios deveria ser mensal, conforme chega a verba do Ministério da Saúde à prefeitura que, então, faz a distribuição da quantia entre as instituições de alta complexidade, como a Santa Casa. Vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), o Ceron pertence ao hospital, mas é administrado por duas empresas terceirizadas. Sem entrar em acordo, o problema relacionado à garantia dos medicamentos quimioterápicos aos pacientes de câncer continua sem solução prática.

Em conversa com o Diário Popular, por telefone, o provedor da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, Paulo Porto Gonçalves, adiantou que o hospital pretende encerrar a terceirização do serviço do Ceron. "Desde o ano passado, com a nossa gestão, nós estamos brigando. Isso aí, eles (Ceron) já brigaram com as outras gestões também, só que nós resolvemos fazer o seguinte: fizemos uma notificação (extraoficial) para eles serem afastados do serviço, porque o credenciamento é da Santa Casa, eles são terceirizados", enfatizou.

O provedor ainda afirmou que já enviou documento ao Ceron na tentativa de romper o vínculo: "Nós fizemos uma notificação e eles tinham prazo de até 17 de outubro para nos fornecer todas as informações necessárias para nós assumirmos o serviço; para fazer a transição efetiva. (...) Esse atraso está prejudicando a transição, porque eles estão criando obstáculos". Ele ainda complementou: "Nós assumimos o compromisso com eles de pagar (o que está em dívida), uma vez que a transição se efetivasse. E eles estão protelando a transição".

Questionado sobre os atrasos ao Ceron, o provedor alegou haver repasses tardios de recursos em todas as esferas. Salientou que a Santa Casa vem fazendo uma série de esforços para se manter de portas abertas, sem intervenção do Poder Público, como ocorreu em Rio Grande - exemplificou. Embora sem assumir claramente a responsabilidade pelos atrasos de pagamento ao Ceron, Paulo Porto Gonçalves declarou: "Na situação geral, eles recebem com algum atraso, mas estão recebendo". Diante do cenário da Saúde em todo o país, ele classificou a situação do Ceron como pontual.

Repasses do governo federal
A secretária de Saúde de Pelotas, Arita Bergmann, assegura que os depósitos do Ministério da Saúde ao município estão em dia: "Têm vindo regularmente e nós temos pago com a mesma regularidade". Da mesma maneira, a prestação de contas da Santa Casa ao Executivo está atualizada, sem apresentar problemas - Arita afirma. "Ela (Santa Casa) presta contas globais. Tem uma comissão de controle e avaliação (na Secretaria de Saúde) que analisa se o hospital está cumprindo as metas cívicas e financeiras, de média e alta complexidade, e a Santa Casa cumpre o que está acordado." Segundo ela, o hospital deve comprovar o atendimento dos pacientes de radioterapia e quimioterapia, que fazem parte da alta complexidade - onde a medicação também está inserida.

O hospital apresenta a produção, a prefeitura avalia as contas e as envia ao governo federal, que no mês seguinte repassa a verba. "A gente faz o empenho global do ano inteiro. Neste momento (na última semana) estou assinando ordem de pagamento do mês de outubro do prefixado (valor referente à média complexidade e aos incentivos), aí o hospital apresenta a produção da alta complexidade, a gente afere as contas todas apresentadas para ver se está tudo dentro dos conformes, encaminha ao Ministério da Saúde e ele faz o pagamento", explica Arita. "A prestação de contas é o cumprimento das metas atualizadas", resume.

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Conforme a chefe de Controle e Avaliação da pasta, Luciene Primo, a prefeitura não possui gerência interna na Santa Casa de Misericórdia e as verbas destinadas à alta complexidade, distribuídas às instituições hospitalares, não são esmiuçadas. O valor que chega do Ministério da Saúde e a prefeitura envia para a Santa Casa - entre pagamento ambulatorial e hospitalar e internação - chega a uma média de R$ 1,1 milhão por mês. O dinheiro, então, passa a ser responsabilidade do hospital.

O que diz o Ceron
O Ceron é composto de dois serviços: tratamentos de radioterapia e de quimioterapia. Os serviços referentes à radioterapia estão sob responsabilidade do Instituto Oncológico de Pelotas (Iopel) e atendem pacientes do SUS e particulares conveniados a planos e seguros de saúde. Enquanto a quimioterapia é executada pelo Oncologistas Reunidos de Pelotas (Oncopel) e presta serviços exclusivamente aos pacientes do SUS. O advogado José Antônio Guedes, que trabalha no setor jurídico do Ceron, elencou por e-mail a situação de ambos.

- Radioterapia: possui contrato escrito, estando em atraso desde novembro de 2015 por parte da Santa Casa.
"O serviço de radioterapia diante da postura da Santa Casa de não mais efetuar qualquer pagamento pelos serviços prestados, teve de suspender os agendamentos de novos pacientes do SUS, como forma de reduzir ao máximo seus custos, permanecendo apenas os atendimentos aos pacientes conveniados aos planos e aos seguros de saúde, os quais têm permitido, com muito esforço, o pagamento das despesas ordinárias de manutenção do serviço."

- Quimioterapia: possui contrato verbal, somente foi pago por parte da Santa Casa metade da fatura de julho de 2016.
"A quimioterapia, com poucos e irregulares pagamentos por parte da Santa Casa, vem efetuando as aplicações dos quimioterápicos quando possui recursos para adquiri-los, quando não possui recursos não há quimioterápicos e medicamentos para efetuar os tratamentos e estes são suspensos, o que é extremamente prejudicial aos pacientes. Destaca-se que o serviço de quimioterapia é exclusivamente SUS, assim, se a Santa Casa recebe os valores do SUS e não efetua os pagamentos pelos serviços prestados pelo Oncopel, este fica sem quaisquer recursos para seu funcionamento."

Compra de medicamentos
"As compras eram mensais quando existiu alguma regularidade nos pagamentos feitos pela Santa Casa. Atualmente, como estes só ocorrem raramente e mediante pressão, os quimioterápicos são comprados quando há recursos para tanto. Se não há recursos, não há quimioterápicos e medicamentos. Além disso, o montante de quimioterápicos e medicamentos é adquirido proporcionalmente ao valor disponível", ressaltou o advogado.

Transferência do serviço
Questionado se o Ceron pretende repassar o serviço à Santa Casa, foi enfático: "Sim e com a máxima urgência, por dois motivos cruciais: o primeiro deles é por não concordar com a falta de regularidade nas aplicações dos quimioterápicos em virtude das contínuas suspensões por falta de recursos financeiros, e o segundo é pelo endividamento assumido pelo Oncopel em virtude do atraso nos pagamentos. Nota-se que é um serviço de custo extremamente elevado, não só pelos valores dos quimioterápicos, mas por todo o custo operacional mensal necessário, tais como gastos com funcionários, custos ficais, de manutenção...".

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Guedes salientou ainda que todo o custo de construção do prédio, de manutenção e de funcionários do Ceron é do Oncopel. Pertencem à Santa Casa o terreno onde funciona o Ceron e a credencial obtida pelo Oncopel. "Assim, se a Santa Casa tiver interesse em ficar com o serviço do Oncopel, terá apenas que pagar os custos gastos com a implantação do serviço, o que já está sendo tratado", garantiu.

De acordo com ele, o Oncopel concordou em parcelar em 36 meses o pagamento por parte da Santa Casa: "A única pendência reside no fato de que a Santa Casa não aceita estabelecer qualquer forma de garantia para o ajuste. A provedoria quer apenas assinar um documento comprometendo-se em pagar o valor ajustado em 36 parcelas, assumir o serviço e nada mais. A questão é clara, se a Santa Casa não consegue honrar os pagamentos pelos serviços prestados, para os quais recebe pontualmente verba do SUS, é mais do que aceitável a necessidade do Oncopel de requerer uma garantia para o cumprimento do que for ajustado entre as partes", defendeu.

O preço mais alto
A transferência do serviço e o ressarcimento de dívidas, no entanto, não garantem o tratamento quimioterápico regular. O caso da falta de medicamentos se repete e arrisca a saúde de, pelo menos, 160 pacientes de câncer - atualmente tratados, mensalmente, pelo Ceron. Pessoas que vêm de realidades diversas, de Pelotas e de municípios da região, e se encontram na sala de espera com a mesma expectativa: o tratamento quimioterápico. É a situação de Sílvio Menezes, de 72 anos, que já teve o tratamento interrompido duas vezes. Na sala de aplicação dos medicamentos, desabafou: "Meu tratamento é quinzenal, mas a doença vai crescer em cima dessas paradas. O que eu quero é a sustentação do tratamento, a garantia". Apoiado em muletas, ele tenta vencer um tumor desenvolvido no pé direito e outro no pulmão. A seu favor, tem na bagagem a vitória contra um câncer intestinal.

A expressão tranquila de Dalva Oliveira, de 52 anos, esconde um histórico triste relacionado à doença. Após uma cirurgia em dezembro, a ex-faxineira passou a tratar no Ceron o câncer no intestino grosso. O problema já lhe arrancou uma irmã, que não conseguiu se curar. "Três meses depois descobrimos que eu também tinha câncer, no mesmo lugar", contou. Mais adiante, outra irmã também acabou cedendo à luta contra um tumor na bexiga. Apesar de triste, não são situações que enfraquecem a vontade de recuperar a saúde. "Quero me tratar, sim. Já tive que transferir por faltar remédio, fora quando a gente se sente mal porque é um tratamento pesado... Mas o que a gente vai fazer? Tem que esperar", tenta conformar-se.

Linha do tempo
- Julho de 2015: Ceron paralisou atividades em protesto à falta de pagamento por parte da Santa Casa; dívidas vinham desde a gestão anterior da provedoria, em abril
- Fevereiro de 2016: Ceron fecha as portas durante 14 dias e não aceita pacientes, por falta de medicamentos para a quimioterapia
- Março de 2016: Ceron atrasa entrega de medicamentos e pacientes ficam sem tratamento
- Também em março, Ministério Público cobra fim do impasse entre as partes
- Junho de 2016: novamente faltam medicamentos para tratamento quimioterápico no Ceron
- Setembro de 2016: situação se repete e não há medicamentos para quimioterapia

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